OLÍMPIA OU SUJADEVEZ
ópera de rua
Jorge Antunes
Brasília, abril de 2016
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Personagens:
Dilmias Rousséfius (arconte)
Gandhia Vargas Brandão (soprano)
Sergius Mouro (arauto)
Jorge Antunes (regente)
Mijanaina Paschoalis Circe (juíza demoníaca, lançadora de bandeiras)
Luiza Lacava (soprano)
Feliciânus Gueicurádius (atleta, lançador de dardos e de cuspe à distância)-
Marcos Sfredo (tenor)
Bolsonárius Escrôtius (atleta arqueiro)
Thiago Rocha (barítono)
Dedoárdius Nocúnhus (atleta discóbolo)
Yonaré Barros (barítono)
Aécius Nevegíptius (atleta senador, corredor com saco de pó)
intérprete a confirmar
Renânius Calhordêirius (atleta de salto em distância)
intérprete a confirmar
Michelius Thêmerus (atleta campeão em peteca; vampiro; pedótriba erastes)
Hugo Lemos (barítono)
Coro (o povo)
A história se passa na Grécia antiga, após as Olimpíadas.
O cenário, simples, consiste de uma grande mesa para banquete, cheia de frutas e comidas, e cadeiras para os comensais. Ao lado, uma coluna de templo grego e a estátua de Zeus, um deus barbudo.
O povo já está aglomerado em cena, ao fundo da mesa.
Entram em cena o arauto e os músicos.
Os atletas chegam a Olímpia, com tochas acesas, e o arauto anuncia a chegada de cada um, falando de suas especialidades olímpicas.
A cada um dos atletas a Arconte entrega uma coroa de ramos entrançados de oliveira silvestre.
ARAUTO:
(dirigindo-se ao povo)
–Atenção, ó plebe! Eu, o arauto, Juiz Sergius Mourus, aviso que a plebe deve se colocar, a partir de agora, em absoluto silêncio e total posição de respeito. (pausa) Anuncio a entrada da arconte Dilmias Rousséfius.
(aplausos)
(a arconte Dilma Rousséfius entra, e toma seu lugar à cabeceira solene da mesa)
ARAUTO:
(dirigindo-se à arconte)
–Sra. Arconte Dilmias Rousséfius! Anuncio a chegada de um atleta, que é campeão como lançador de dardos e de cuspe à distância. Ele costuma ter encontros casuais com soldados de Esparta. É o atleta Bolsonárius Escrôtius.
(a arconte coloca a coroa de ramos na cabeça de Bolsonárius Escrôtius)
ARAUTO:
(dirigindo-se à arconte)
–Sra. Arconte Dilmias Rousséfius! Anuncio a chegada de um atleta, que é arqueiro e que atira flechas com cheiro de Jesus em terreiros de umbanda espartana. É o atleta Feliciânus Gueicurádius.
(a arconte coloca a coroa de ramos na cabeça de Feliciânus Gueicurádius)
ARAUTO:
(dirigindo-se à arconte)
–Sra. Arconte Dilmias Rousséfius! Anuncio a chegada de um atleta discóbolo, que arremessa discos de música evangélica; foi denunciado como corrupto; preside o sindicato dos atletas olímpicos; tem milhões de dracmas escondidos em banco da Shuícia-Espartana. É o atleta Dedoárdius Nocúnhus.
(a arconte coloca a coroa de ramos na cabeça de Dedoárdius Nocúnhus)
ARAUTO:
(dirigindo-se à arconte)
–Sra. Arconte Dilmias Rousséfius! Anuncio a chegada de um atleta senador, campeão de corrida com saco de pó; gosta de ameaçar desafetos com mosquitos infectados. É o atleta Aécius Nevegíptius.
(a arconte coloca a coroa de ramos na cabeça de Aécius Nevegíptius)
ARAUTO:
(dirigindo-se à arconte)
–Sra. Arconte Dilmias Rousséfius! Anuncio a chegada de um espartano, atleta de salto em distância; ele sempre tenta fazer acordos com os juízes; recebeu propina de mil dracmas para fazer implante de cabelos e pentelhos. É o atleta Renânius Calhordêirius.
(a arconte coloca a coroa de ramos na cabeça de Renânius Calhordêirius)
ARAUTO:
(dirigindo-se à arconte)
–Sra. Arconte Dilmias Rousséfius! Anuncio a chegada de uma juíza demoníaca, atleta feiticeira lançadora de bandeiras. Costuma enfrentar cobras jararacas, mas confunde cobra com grelo duro. Quando vê cobra, roda a baiana, dá pulos e grita extasiada. É a feiticeira-atleta Mijanaina Paschoalis Circe.
(a arconte coloca a coroa de ramos na cabeça de Mijanaina Paschoalis Circe)
ARCONTE DILMIAS ROUSSÉFIUS
Hoje a Grécia dos estetas
ouve palavras serenas
que se voltam aos atletas
de Olímpia, Esparta e Atenas.
É grande a honra que temos
em receber campeões.
Que os deuses grandes, supremos,
unjam nossas relações.
Estou feliz em reunir
tanto talento incomum.
Eu gostaria de ouvir
a história de cada um.
Vejamos. Ele? Você?
Quem discursará primeiro?
Acho que vou escolher
alguém que seja grosseiro.
(olhando para Feliciânus)
Sempre tira o seu da reta
o arqueiro mor dos estádios.
Fala, meu querido atleta
Feliciânus Gueicurádius.
FELICIÂNUS
Meus queridos vencedores,
maravilhosos atletas,
todos com grana e amores,
alguns com contas secretas.
Faço a minha propaganda,
aqui nesta mesa farta:
atiro flechas na umbanda
dos terreiros lá de Esparta.
São flechas transcendentais
com cheirinho de Jesus.
Miro em homossexuais
acertando nos seus cus.
Mas quem tem flecha tem medo,
pois está solto o diabo.
Tem gente aqui que, em segredo,
tá de olho no meu rabo.
(Mijanaina Paschoalis Circe levanta-se da mesa, pocessa, como possuída pelo demônio, pulando, desesperada, saca de sua varinha de condão e avança sobre o povo)
MIJANAINA PASCHOALIS CIRCE
Tô doida! Rodo a baiana!
Tô doida! Rodo a bandeira!
Esse povo não me engana,
gente sem eira nem beira.
A minha pomba não gira
quando chega a jararaca.
Mas eu rodo, em vira-vira,
hoje estou com a macaca.
Eu grito. Abro a matraca.
Vou todos enfeitiçar.
Sai cobra! Sai jararaca!
Ninguém vai me exorcisar.
Vou gritar muito, eu juro,
contra toda essa manobra.
Não gosto de grelo duro,
nem República de cobra.
Tocando alguns com a vara de condão, os transforma em animais: vacas, cachorros, burros, camelos, macacos, etc.)
(as pessoas do povo que se transformaram em animais se afastam do grupo e formam um segundo coro: o “Coro B”)
FELICIÂNUS E CORO “B”
A esquerda me atrapalha,
um bando de mequetrefes.
Mas não jogo a toalha:
jogo socos e tabefes.
Massacremos a canalha
de comunas e seus chefes.
Derrubemos a petralha,
a Arconte Dilmias Rousséfis
CORO “A”
Lutamos por liberdade.
Que a ditadura não volte!
Vem pra luta, mocidade!
Com luta não vai ter golpe.
Este golpismo doente!
Não há o que mais revolte.
Vem pra luta, minha gente!
Com luta não vai ter golpe.
ARCONTE
Pois muito bem, Feliciânus.
Faltam-te, eu bem percebo,
sentimentos mais humanos.
Ouçamos outro mancebo.
Chega de voz que instala
sentimentos tão primários.
Ouçamos então a fala
do Escrôtius Bolsonárius
Bolsonárius Escrôtius
Eu sou lançador de dardos
que não teme esquerdistas.
Aqui só vejo bastardos,
e atletas marxistas.
Não gosto de bichas e pardos,
não gosto de ignorância.
Sou rei ao lançar os dardos
e rei no cuspe à distância.
Tudo ainda vai mudar
pois não temo os seus fuxicos.
Quero dar, eu quero dar
todo o poder aos milicos.
Eu quero dar muito mais
a atletas gregos, troianos;
mil encontros casuais
com guerreiros espartanos.
BOLSONÁRIUS E CORO “B”
A esquerda me atrapalha,
um bando de mequetrefes.
Mas não jogo a toalha:
jogo socos e tabefes.
Massacremos a canalha
de comunas e seus chefes.
Derrubemos a petralha,
a Arconte Dilmias Rousséfis
CORO “A”
Lutamos por liberdade.
Que a ditadura não volte!
Vem pra luta, mocidade!
Com luta não vai ter golpe.
Este golpismo doente!
Não há o que mais revolte.
Vem pra luta, minha gente!
Com luta não vai ter golpe.
ARCONTE
Cala-te velho jumento!
Ouço palavras sem nexo.
Isto aqui não é momento
pra fantasias de sexo.
Contenha-se, Bolsonárius!
Integras o nada novo
bando de reacionários
que envergonham nosso povo.
(olhando para Aécius Nevegíptius)
Vejo aqui um proprietário
de aeroportos e sítios.
Qual será o ideário
do Aécius Nevegíptius?
AÉCIUS NEVEGÍPTIUS
Sou o grande vencedor,
não me conformo ainda.
Com coragem eu vou por
este arconte na berlinda.
Tenho muita esperança,
muita coisa ainda vem:
fim de sua liderança,
terceiro turno também.
Sou cabra macho, bonito,
mineiro: não sou do Sul.
Minha arma é um mosquito,
espécie de mosca azul.
Não sou do tipo borracho
que quer dar o fiofó.
Desde novinho sou macho
curtindo o prazer do pó.
AÉCIUS E CORO “B”
A esquerda me atrapalha,
um bando de mequetrefes.
Mas não jogo a toalha:
jogo socos e tabefes.
Massacremos a canalha
de comunas e seus chefes.
Derrubemos a petralha,
a Arconte Dilmias Rousséfis
CORO “A”
Lutamos por liberdade.
Que a ditadura não volte!
Vem pra luta, mocidade!
Com luta não vai ter golpe.
Este golpismo doente!
Não há o que mais revolte.
Vem pra luta, minha gente!
Com luta não vai ter golpe.
ARCONTE
Mas, será o benedito?
Eu sinto dopping nos dois.
Só um pó eu admito:
claro, que é o pó de arroz.
É o pó que usa Feliciânus,
pra embelezar o seu rosto.
Somente o ódio aos tucanos
evidenciam bom gosto.
DEDOÁRDIUS NO CÚNHUS
Eu sou lançador de discos,
CDs louvando o Senhor.
E sem correr muitos riscos
roubo durante o louvor.
Muita gente me acusa,
sofro ataque periódico.
Odeio a arconte confusa
mas eu não sou homofóbico.
Eu não gosto de viado,
sou um pouco autoritário,
mas isso não é pecado,
pois sonho sair do armário.
Tudo isso é injustiça:
não tenho conta lá fora
e a conta lá na Shuiça
pertence à minha senhora.
DEDOÁRDIUS E CORO “B”
A esquerda me atrapalha,
um bando de mequetrefes.
Mas não jogo a toalha:
jogo socos e tabefes.
Massacremos a canalha
de comunas e seus chefes.
Derrubemos a petralha,
a Arconte Dilmias Rousséfis
CORO “A”
Lutamos por liberdade.
Que a ditadura não volte!
Vem pra luta, mocidade!
Com luta não vai ter golpe.
Este golpismo doente!
Não há o que mais revolte.
Vem pra luta, minha gente!
Com luta não vai ter golpe.
ARCONTE
Ó, Dedoárdius No Cunhus!
Sei de teus crimes maiores.
Temos muitos testemunhos
que falam dos teus offshores.
Sempre cai no esquecimento
fatos podres e efêmeros.
Atenção, neste momento!
Ouçamos Michelius Thêmerus.
MICHELIUS THÊMERUS
Ó Arconte! Não me afastes.
Leste a carta de amor?
Sou pedótriba erastes
apesar de traidor.
Quero que o povo, em rebanho,
não entenda o que acontece.
Sei que na urna não ganho
pois a plebe me conhece.
Ó Arconte. És vaidade.
Teu governo não é sério.
É tormenta, é tempestade,
o que vive o nosso império.
Eu luto nesta tormenta,
e meu posto eu não largo.
Pois saiba, ó presidenta:
quero acupar o teu cargo.
THÊMERUS E CORO “B”
A esquerda me atrapalha,
um bando de mequetrefes.
Mas não jogo a toalha:
jogo socos e tabefes.
Massacremos a canalha
de comunas e seus chefes.
Derrubemos a petralha,
a Arconte Dilmias Rousséfis
CORO “A”
Lutamos por liberdade.
Que a ditadura não volte!
Vem pra luta, mocidade!
Com luta não vai ter golpe.
Este golpismo doente!
Não há o que mais revolte.
Vem pra luta, minha gente!
Com luta não vai ter golpe.
ARCONTE
É muita dor o que sinto
neste meu posto amargo.
Todos sabem que não minto
mas muitos querem meu cargo.
Vamos ouvir o Renânius!
Bons oradores à farta!
Aqui, um dos grandes crânios
das alagoas de Esparta.
RENÂNIUS CALHORDÊIRIUS
Sou rei no salto à distância,
e o serei até morrer.
Nada abafa minha ânsia
de estar sempre no poder.
Quando perdi meus cabelos
fiquei muito cabisbaixo.
Por isso implantei uns pelos
cá no alto e cá embaixo.
Gosto daqueles amigos
com offshores bem gordos.
Com os ladrões mais antigos
costumo fazer acordos.
Não vislumbro o horizonte,
é nebuloso o futuro.
Hoje apoio a Arconte
mas tendo a subir no muro.
RENÂNIUS E CORO “B”
A esquerda me atrapalha,
um bando de mequetrefes.
Mas não jogo a toalha:
jogo socos e tabefes.
Massacremos a canalha
de comunas e seus chefes.
Derrubemos a petralha
Arconte Dilmias Rousséfis.
CORO “A”
Lutamos por liberdade.
Que a ditadura não volte!
Vem pra luta, mocidade!
Com luta não vai ter golpe.
Este golpismo doente!
Não há o que mais revolte.
Vem pra luta, minha gente!
Com luta não vai ter golpe.
(Neste momento a cena se interrompe. Todo o elenco fica estático. Procede-se a votação. Ao público que assiste o espetáculo são distribuídas cédulas para votação. O público deposita seus votos nas urnas, para escolher o final. São três as opções)
FINAL 1
Após um grande clarão e estrondo, surge o Supremo. Ele joga enormes fagulhas mágicas no Coro B. Os membros do Coro B são imediatamente libertos da feitiçaria feita pela Mijanaina: deixam de ser animais, voltando a ser homens e mulheres normais.
Juntam-se, então, ao Coro A.
Os membros dos dois Coros avançam sobre todos os comensais, inclusive a Arconte.
Amarram a todos com cordas.
CORO
Fora todos! Fora todos!
Rumo à limpeza geral,
nossas vassouras e rodos
limparão o lamaçal.
Fora todos! Fora todos!
Fora todos! Fora todos!
Fora todos! Fora todos!
Fora todos! Fora todos!
Fora todos! Fora todos!
FINAL 2
Após um grande clarão e estrondo, surge o Supremo. Ele joga enormes fagulhas mágicas no Coro B. Os membros do Coro B são imediatamente libertos da feitiçaria feita pela Mijanaina: deixam de ser animais, voltando a ser homens e mulheres normais.
Juntam-se, então, ao Coro A.
O Supremo joga um pó branco sobre os comensais e todos começam a tossir.
Alguém do coro grita:
–Xarope! Xarope!
Os membros dos dois Coros avançam sobre todos os comensais, levando-lhes taças com xarope.
Todos bebem, menos o Arauto e a Arconte, que ficam livres e são aclamados.
CORO
Pra tosse é bom o xarope.
Não tem golpe! Não tem golpe!
Castigo vem a galope
e quem sabe, faz a hora.
Fora! Fora! Fora! Fora!
(todos os que beberam o xarope desmaiam, caindo ao chão)
Tem sicuta no xarope.
Tem sicuta no xarope.
Não tem golpe! Não tem golpe!
Não tem golpe! Não tem golpe!
Não vai ter golpe! Não vai ter golpe!
Não vai ter golpe! Não vai ter golpe!
Não vai ter golpe! Não vai ter golpe!
Não vai ter golpe! Não vai ter golpe!
FINAL 3
Após um grande clarão e estrondo, surge o Supremo. Ele se aproxima de Mijanaina Paschoalis Circe e coloca uma coroa em sua cabeça.
Supremo e Mijanaina, então, caminham em direção ao Coro A.
Mijanaina usando sua vara de condão, e o Supremo atirando fagulhas mágicas sobre o povo, transformam todos os membros do Coro A em animais.
Juntam-se, então, ao Coro B.
Os membros dos dois Coros avançam sobre todos os comensais, os amarrando com cordas. Menos a Michelius Thêmerus e a Dedoárdius Nocúnhus, que ficam livres e são aclamados.
CORO
Um viva à mulher guerreira
Mijanaina Paschoalis.
Acabou a roubalheira,
é o fim de todos os males.
Um viva ao líder dos ricos,
homens, mulheres, transgêneros.
Viva todos os milicos!
Viva o Michelius Thêmerus!